Mickey: a oportunidade escondida pelo domínio público

Os autores e as marcas precisam de proteger a sua propriedade intelectual, mas não podem desperdiçar todo o contributo e valor que o público pode criar.

A 1 de janeiro expiraram os direitos de autor da imagem de Mickey e Minnie do filme de 1928 “Steamboat Willie”, passando para domínio público nos EUA. O que aparenta ser uma ameaça para a Disney, pode, no entanto, esconder uma oportunidade.

Os autores e as marcas protegem legitima e agressivamente a sua propriedade intelectual. Porém, o domínio público expande o potencial criativo e cultural das obras através da inspiração e inovação de muitos artistas e criadores que as podem reinterpretar. A imagem dos personagens de “Steamboat Willie” pode agora ser alvo de cópia, partilha, reutilização ou livre adaptação. Em poucos dias, a imagem foi já utilizada em novas criações, transformando, por exemplo, Mickey num assassino ou num rato sádico.

O risco é limitado, apesar de tudo, pela existência da marca registada de Mickey Mouse, garantindo que nenhum filme ou produto possa induzir a perceção de que foi produzido pela Disney. Além disto, apenas aquela versão da personagem é que está em jogo, e as versões mais recentes do Mickey não serão (por agora) afetadas. O domínio público retira controlo sobre o material original, mas, paradoxalmente, abre uma janela para a criação de novos conteúdos e experiências, bem como para novas oportunidades de negócio, parcerias e colaborações, com potenciais efeitos positivos nas receitas e na reputação.

Ao contrário dos direitos de autor, que são limitados no tempo, as marcas são registadas e podem ser renovadas indefinidamente. Mesmo sem a ameaça da perda de direitos, algumas marcas potenciam a criatividade, a inovação e a participação, envolvendo o público na construção da marca, através de iniciativas de co-criação ou user-generated content. Por exemplo, já desde 2008 que a Lego incentiva os seus fãs a criar e partilhar as suas próprias construções, e até a propor novos produtos, através da plataforma Lego Ideas. Outro exemplo são as marcas de bebidas, como a Coca-Cola ou Super Bock, ao convidar consumidores e criadores a personalizar as suas garrafas e rótulos.

A “economia dos criadores”, onde qualquer um pode produzir e monetizar conteúdo, é avaliada globalmente em mais de 100 mil milhões de dólares, e, segundo a Adobe, em nove mercados analisados, contabilizou mais de 300 milhões de pessoas. Este potencial de criação, quando alavancado pelas ferramentas de Inteligência Artificial, é capaz de gerar novo conteúdo de alta qualidade, de forma rápida, eficiente e personalizada, construindo maior afinidade com o público e valor para a marca, recolhendo igualmente dados para melhorar a qualidade e a relevância dos conteúdos futuros.

Os autores e as marcas precisam de proteger a sua propriedade intelectual, mas não podem desperdiçar todo o contributo e valor que o público pode criar.

A Disney, se abraçar o domínio público do Mickey, pode revelar-se mais aberta, criativa e inovadora, respeitando sempre o seu personagem mais emblemático. Pode aproveitar a oportunidade escondida pelo domínio público e o retorno será maior do que o medo de perder o controlo sobre aquilo que agora é de todos.

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Tiago Baldaia, ECO SAPO
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